Escrito por: Dr. Luciano Tavares Junior – Advogado Especialista em Direito Público e sócio do escritório Morais & Tavares. Membro das Comissões de Direito Administrativo e Empresarial da OAB Juiz de Fora/MG.
A pandemia do Coronavirus (COVID-19) trouxe uma mudança significativa na forma de agir das pessoas, como lavar as mãos de forma constante, a busca frenética por álcool gel, a diligência ao tossir ou espirar, a tentativa por evitar aglomerações e por consequência atos legislativos e administrativos editados principalmente por Estados e Municípios para o fechamento de quase toda a espécie de atividades empresárias, bem como na limitação do direito pétreo do ir e vir da população.
Dentre tais normativas destacamos em Minas Gerais: o Decreto 47.891/2020 que reconhece o estado de calamidade pública decorrente da pandemia causada pelo agente Coronavírus (COVID-19); a Deliberação 17/2020 que dispõe sobre medidas emergenciais de restrição e acessibilidade a serviços e bens públicos e privados como atividades em feiras, shopping centers, estabelecimentos situados em galerias ou centros comerciais, bares, restaurantes e lanchonetes, cinemas, clubes, academias de ginástica, boates, salões de festas, teatros, casas de espetáculos e clínicas de estética. Na mesma toada no Rio de Janeiro o Decreto 46.980/2020 e em São Paulo o Decreto 64.881/2020, um dos mais abrangentes trazendo em seu artigo 4º “Fica recomendado que a circulação de pessoas no âmbito do Estado de São Paulo se limite às necessidades imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercício de atividades essenciais”. Sem falar, de tantos outros também subscritos pelo executivo municipal em todo o país, com o mesmo pano de fundo.
É de se informar que é uma necessidade dos órgãos estatais a prevenção e o controle da pandemia, em vista da supremacia do interesse público sobre o privado sendo a matéria relativa a saúde de competência concorrente a União, aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal como descrito no artigo 24, inciso XII, da Carta Magna, em que cabe a União a edição de normas gerais e aos demais a suplementação de tais normas.
Contudo a edição de tais normas fez ocorrer um revés, a diminuição das atividades empresárias, com a consequente extinção de contratos de trabalho e em uma narrativa mais drástica o encerramento total das atividades.
De modo a proteger aqueles que desenvolvem atividades empresárias surge no âmbito trabalhista e dos contratos administrativos a figura do Fato do Príncipe. Mas de fato o que é Fato do Príncipe? De modo simples, tal interpretação ocorre quando a Administração Pública impossibilita a execução da atividade do empregador e, por conseguinte, o contrato de trabalho, de forma definitiva ou temporária, por intermédio de lei ou ato administrativo. Ou quando seu ato provoca o desequilíbrio econômico financeiro de um contrato administrativo.
Em âmbito trabalhista, tal premissa é prevista no artigo 486 da CLT e que informa que no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. O Fato do Príncipe é uma espécie do gênero rescisão contratual por força maior, dela se distinguindo pelo agente causador.
Sendo requisito para sua configuração a paralisação definitiva ou temporária de trabalho; imprevisibilidade; origem em ato do Poder Público, podendo ser administrativo ou legislativo; e impossibilidade do empregador dar causa para a expedição de tal ato.
O artigo 486 da CLT prevê que, tendo sido configurado o Fato do Príncipe, o empregado terá direito a receber indenização pelo fim do contrato, porém não será seu empregador que arcará com tais obrigações, mas sim a autoridade responsável pelo ato emanado. O fato do príncipe é uma espécie de força maior, na forma disposta no artigo 501 da CLT. Ou seja, trata-se de acontecimento inevitável, para o qual o empregador não concorreu.
No âmbito dos contratos administrativos o Factum principis pode ensejar alteração do contrato administrativo, ou mesmo sua rescisão. A Administração Pública pode em um contrato administrativo lançar mão de clausulas exorbitantes, em que pode interferir diretamente no contrato administrativo, podendo muda-lo se for preciso. Porém, o Fato do Príncipe ocorre quando o próprio Estado, mediante ato lícito, faz com que ocorra modificação nas condições do contrato, provocando prejuízo ao próprio contratado, promovendo desequilíbrio econômico financeiro do mesmo.
Assim em âmbito Administrativo, o Estado não tem a finalidade de atingir um contrato específico, contudo, em seu ato acaba por atingir determinado contrato, mesmo que seja de forma reflexa, gerando prejuízo a uma das partes contratantes, ou seja, aquele que por vezes sagrou-se vencedor de uma licitação. Havendo desequilíbrio econômico financeiro pode o particular provocar a Administração Pública de modo a ocorrer a adoção de providências com o intuito de recapitular as condições contratadas, conforme estipulado no artigo 57, § 1º da Lei 8.666/1993.
Verifica-se que o combate a pandemia abriu um precedente sem outro na história brasileira. Podendo os particulares provocar o Poder Judiciário tendo como argumento a figura do Factum principis, o ato unilateral da autoridade pública – municipal, estadual ou federal – capaz de alterar relações jurídicas privadas já constituídas, de modo a atender ao interesse público.