Escrito por: Dra. Juliana Borges Rezende.

  1. Considerações gerais da Lei 12.846/2013

Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira.

Com o advento da Lei 12.846/2013 houve a ampliação da res- ponsabilidade administrativa e civil das pessoas jurídicas nacionais e estrangeiras no tocante aos atos ilícitos praticados contra a Administra- ção Pública.

Existem diversos diplomas legais no ordenamento jurídico que visam o combate a corrupção dos agentes públicos, tanto na esfera criminal quanto aos atos elencados na Lei de improbidade administrativa que possui natureza civil e política, porém para que houvesse a responsabilização das pessoas jurídicas de direito privado havia a necessidade de ser comprovar a conduta dolosa ou culposa, assim, a partir da vigência da mencionada legislação as pessoas jurídicas de direito privada respondem de forma objetiva.

A mencionada lei irá abranger as seguintes pessoas jurídicas de direito privado: as sociedades empresárias e sociedades simples-personificadas ou não, as Fundações, as Associações, bem como as sociedades estrangeiras com sede, filial ou representação no território brasileiro. Além disso, tanto as pessoas jurídicas que foram objeto de alteração contratual, fusão, transformação societária ou cisão estarão sujeitas às sanções previstas na Lei anticorrupção, bem como os respectivos dirigentes e administradores.

2. Requisitos da responsabilização das pessoas jurídicas.

Constata-se a alteração da natureza da responsabilidade das pes- soas jurídicas, que passaram a responder de forma objetiva pelos atos danosos à Administração Pública, bastando que haja o ato lesivo (nos moldes do art.5⁰), o dano, bem como o nexo causal entre a conduta e o resultado danoso.

A Doutrina majoritária prevê que serão sancionados os atos que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais.

Na esfera Administrativa, há a previsão de aplicação de multa no percentual de 01%(um décimo por cento) a 20%(vinte por cento) do faturamento bruto do exercício anterior, bem como a publicação extraordinária da decisão condenatória, de acordo com o art.6⁰ da Lei 12.846/2013, cabendo a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica da empresa quando houver abuso de direito para facilitar ou dissimular a prática de atos lesivos à Administração. De acordo com o art. 8º da mencionada lei: “A instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa”.

§ 2º No âmbito do Poder Executivo federal, a Controladoria- Geral da União – CGU terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados com fundamento nesta Lei, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento.

Compete à Controladoria-Geral da União – CGU a apuração, o processo e o julgamento dos atos ilícitos previstos nesta Lei, praticados contra a administração pública estrangeira.

Caso haja omissão das autoridades competentes, caberá à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio de suas Advocacias Públicas, impetrarem as respectivas ações de ressarcimento ao erário, podendo a decisão acarretar nas seguintes sanções (art.19): “ perdimento de bens, diretos ou valores, suspensão ou interdição parcial de suas atividades; dissolução compulsória da pessoa jurídica; proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máxi- mo de 5 (cinco) anos”.

3. Análise preventiva dos atos danosos praticados pelas pessoas jurídicas durante o procedimento licitatório e a celebração contratual em face das disposições contidas do art.5⁰ da Lei  12.846/2013.

Durante a realização do procedimento licitatório, tanto a Administração Pública quanto os licitantes estão atrelados a diversos princípios contidos na Lei 8.666/93, bem como na Constituição Federal, dentre eles os princípios da legalidade, da competitividade, da moralidade, da isonomia, do julgamento objeto, bem como às Leis Federais relativas ao pregão, bem como aos respectivos Decretos emanados pelo Poder Executivo. Na prática, observa-se que o atendimento aos aludidos preceitos não constitui mera formalidade, mas impacta diretamente no planejamento orçamentário do Poder Executivo, já que as condutas ilícitas

acarretam superfaturamento dos preços dos produtos e serviços pres- tados pelas pessoas jurídicas à Administração Pública, bem como afeta diretamente o direito à livre concorrência e à concretização do princí- pio da economicidade em seu amplo aspecto-quantitativo e qualitativo. Neste tópico, iremos abordar os atos danosos elencados pela Lei anticorrupção, em seu art. 5⁰ e a respectiva correlação com os princí-

pios e principais consequências advindas, vejamos:

De acordo com o art. 5º: “Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim  definido”. Em relação aos procedimentos licitatórios e contratos públicos a nova legislação efetivou a ampliação e o detalhamento das condutas ilícitas cometidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, vejamos o rol elencado pelo art.5⁰ e incisos:

IV – No tocante a licitações e contratos: Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qual- quer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

A pessoa jurídica ao realizar a mencionada conduta irá afrontar diretamente os princípios da competitividade, isonomia, economici- dade, eficiência bem como do justo preço contidos na Lei n⁰14.167/ 2002-Dispõe sobre a adoção, no âmbito do Estado, do pregão como modalidade de licitação para a aquisição de bens e serviços comuns e dá outras providências.

Assim, a pessoa jurídica ao frustar o caráter competitivo do certa- me impede o acesso às demais empresas concorrentes, acarretando, por vezes, o superfaturamento dos preços e serviços prestados, comprometendo-se a vantajosidade e eficiência da aquisição pelo gestor público.

b) Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento  licitatório público;

Dentre as condutas tipificadas: impedir, perturbar ou fraudar a realização do procedimento licitatório, verifica-se a necessidade de capacitação e ampliação do acesso ao conhecimento das normas relativas ao certame, a fim de se prevenir tais condutas, já que não caberá aferição da natureza da conduta-dolosa ou culposa da empresa-responsabilidade objetiva, mas apenas dos Administradores e Diretor e responsabilidade subjetiva.

c) Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer  tipo;

A mencionada alínea também compromete o caráter competitivo do certame e a respectiva vantajosidade na aquisição do produto ou serviço.

d) Fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;

O licitante poderá se enquadrar no mencionado dispositivo quan- do tentar dissimular o conteúdo de um documento exigido na fase habilitatória, por exemplo, – apresentar um atestado de capacidade téc- nica ou operacional inidôneo ou inverídico.

Além disso, poderá ser declarado inidôneo e ficar impedido de participar de procedimentos licitatórios, conforme decisão da autoridade máxima do Órgão, pelo prazo de 5(cinco) anos, nos termos do art.12 da Lei 14.167/2002-Dispõe sobre a adoção, no âmbito do Esta- do, do pregão como modalidade de licitação para a aquisição de bens e serviços comuns e dá outras providências, e se for o caso, poderá ser descredenciado do Cadastro Geral de Fornecedores do Estado de Minas Gerais.

e) Criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administra- tivo;

Vislumbramos neste caso, o enquadramento criminal aliado às esferas administrativas e cível havendo afronta direta ao princípio da moralidade contido no art.5⁰ da Lei 14.167/2002, em especial quanto ao dever de conduta pautado nos ditames da boa-fé e decoro, bem como aos princípios da economicidade e eficiência, já que a Administração Pública ao tomar ciência da irregularidade, deverá instaurar um processo administrativo punitivo e simultaneamente comunicar o Tribunal de Contas competente, bem como o Ministério Público.

A decisão proferida no processo administrativo punitivo, poderá acarretar a aplicação de multa, advertência, suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2(dois) anos. Sendo que, também caberá a rescisão unilateral do contato, ensejando prejuízos à prestação do serviço público prestado.

f) Obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou

Além das implicações criminais e afronta direta ao princípio da legalidade, contido no art.5⁰ da Lei 14.167/2002, a pessoa jurídica de- verá ter ciência prévia das restrições contidas na lei 8.666/93 quanto às possibilidades de modificações e prorrogações contratuais, no instrumento contratual, bem como ao quantitativo apresentado na  proposta.

g) Manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;

De acordo com a Constituição Federal, art.37, XXI, os contratados bem como a Administração Pública possuem o direito à manu- tenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Assim, ha- vendo alteração da álea econômica caberá o reequilíbrio econômico do contrato, tendo como marco inicial a apresentação da proposta, bem como a real apuração dos custos acrescidos, conforme apreciação da equipe técnica.

Logo, a conduta fraudulenta irá acarretar o superfaturamento dos preços e o consequente dano ao erário, enquadrando-se tanto nos ilícitos administrativos, cíveis e criminais.

CONCLUSÃO

Por todo exposto, o advento da Lei 12.846/2013- Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas de direito privado pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, além ter alterado a natureza da responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado de subjetiva para objetiva, elencou as principais condutas ilícitas praticadas pelos licitantes e contratantes durante o certame e a vigência contratual.

Logo, o ordenamento jurídico possui mais um instrumento jurídico no combate à corrupção, ao superfaturamento, bem como à prestação dos serviços públicos de forma eficiente.

O dispositivo legal também permitiu o já conhecido acordo de leniência, que facilita a identificação de todos os envolvidos nas condutas ilícitas, bem como o detalhamento do modus operandi das condutas perpetradas durante o procedimento licitatório e a vigência contratual. Ademais, verificou-se o trabalho conjunto entre as Corregedorias Gerais, as Procuradorias dos respectivos Órgãos, a atuação do Ministério Público competente, bem como dos Tribunais de Contas, todos alinhados para que a apuração das condutas ilícitas, bem como o respectivo ressarcimento ocorra de forma eficaz, tendo um caráter preventivo e repressivo.

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